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Bicicletas portuguesas terão de pedalar mais para segurar a liderança na Europa

A pandemia foi um grande impulso para a indústria, mas o desafio agora é ultrapassar a dependência do mercado asiático para corresponder à procura de bicicletas por parte dos países europeus.

A inauguração da fábrica da empresa Carbon Team foi um acontecimento no concelho de Vouzela, como seria de esperar. Mais 120 postos de trabalho previstos até 2024 é, por si só, motivo suficiente para celebrar num município onde a taxa de desemprego atinge quase os 7%. Mas o impacto desta nova unidade fabril vai muito além da região, ultrapassando as fronteiras e alastrando-se por toda a Europa. Criada por três empresas portuguesas – a Rodi, a Miranda e a Ciclo Fapril, em parceria com Bike Ahead composites (Alemanha) e Art Collection (Taiwan) -, a nova instalação na Zona Industrial de Campia está, desde finais de junho, a produzir componentes para bicicletas.

O que é que isso tem de especial? A pergunta poderia ser feita por qualquer um ao balcão do café. E a resposta, essa, só se tornou especial porque, entretanto, deparámo-nos com a pandemia da Covid-19. Há mais de um ano que comprar uma bicicleta tem sido uma aventura complicada e, na maioria dos casos, impossível. Com milhões de potenciais ciclistas a procurar uma alternativa ao transporte público, a procura disparou aqui e no resto do mundo. Portugal aproveitou a oportunidade para pedalar sobre esta tendência, que já fez crescer centenas de quilómetros de ciclovias em praticamente todas as cidades do planeta.

Com pouco mais de 2% da população da União Europeia, o país já é o primeiro produtor, ao representar quase um quarto das bicicletas fabricadas no espaço comunitário e a destacar-se na imprensa internacional, com artigos de fundo no “Le Monde” ou no “The New York Times”. O número de funcionários, neste setor, subiu 65% nos últimos cinco anos, concentrando atualmente 7800 trabalhadores, segundo os dados da Associação Nacional da Indústria de Duas Rodas (ABIMOTA). Nunca como agora tantas bicicletas saíram das fábricas portuguesas – dois milhões e 700 mil unidades em 2019, com as exportações a subirem mais 5% no ano seguinte.

As peças-chave do puzzle

Nove em cada 10 bicicletas em Portugal vão para o estrangeiro, principalmente para Espanha, França e Alemanha. Com tanta gente rendida à micromobilidade, tudo corria de feição para fabricantes e comerciantes. Até que o mercado se deparou com a escassez de peças para montar as bicicletas. A razão para a engrenagem estar empenada, aqui e em todo mundo, reside em grande parte no simples facto de toda a produção de componentes estar concentrada na Ásia, sobretudo na China.

O design básico da bicicleta, hoje, não é muito diferente das versões mais antigas do século XIX. Mas, por detrás da sua simplicidade – duas rodas, um quadro e uma dúzia de peças –, está uma complexa cadeia de abastecimento subordinada às leis da globalização. A situação complica-se ainda mais porque são poucas as empresas a fornecer as componentes-chave. Uma bicicleta é como um puzzle com praticamente cada peça a chegar de uma empresa diferente vinda da China, de Taiwan ou do Vietname.

O enceramento das fábricas na Ásia, durante os períodos de confinamento, atrasou a produção com os prazos de entrega a derraparem. Ao mesmo tempo, milhões de pessoas, presas em casa, intensificaram as compras online – de sofás, a micro-ondas, de calças de jeans até aos computadores. O enorme volume de mercadorias global provocou longas demoras na entrega de encomendas para uma generalidade de bens. No caso das bicicletas, a dependência desta indústria de várias empresas asiáticas é um fator acrescido. Se uma fábrica tem tudo, menos uma corrente, e outra fábrica tem tudo, menos um garfo de suspensão dianteiro, ambas ficam paralisadas.

Com o aumento global da procura, os prazos de entrega das peças chegam a demorar mais de um ano. E esse é o motivo por que as lojas, até podiam vender mais, mas não conseguem. A Carbon Team quer mudar esse cenário em Portugal e na Europa e um passo decisivo já foi dado ao se tornar na primeira fábrica de quadros em carbono de bicicletas a ser construída fora do continente asiático.

Se até agora quase todas as armações de carbono vendidas na Europa tinham de ser importadas, a Carbon Team pretende assegurar cerca de 25 mil caixilhos por ano para o espaço comunitário, sobretudo para a Holanda e Alemanha. O objetivo, segundo o comunicado da autarquia de Vouzela, é intensificar a produção, duplicando a quantidade no intervalo de três anos.

A produção de quadros de bicicleta em carbono é praticamente insignificante no mercado europeu – cerca de mil por ano para uma procura que atinge 550 mil/ano. E os quadros que a unidade fabril de Vouzela começou agora a produzir já são considerados os mais leve do mundo. Certificadas e aprovadas em laboratório, a estrutura pesa 770 gramas quando o padrão é superior a um quilo. O segredo está no modelo concebido como peça única e sem colagens, que lhe retira entre 20% e 30% do peso, aumentando a resistência.

Inovação é, por isso, a chave para o setor conseguir responder não somente à procura de mais bicicletas por parte dos consumidores, como também para encontrar uma saída à dependência dos mercados asiáticos. “Acredito que estamos a fazer esse caminho, mas isto não é uma corrida de 100 ou 400 metros”, adverte Gil Nadais, secretário-geral da ABIMOTA. É antes uma prova de montanha a exigir tecnologia, níveis de automação elevados e estratégias assentes na sustentabilidade ambiental: “No atual momento, todos esses fatores andam juntos, não é possível dissociá-los nos novos investimentos.”

À semelhança do que aconteceu no início da pandemia com a escassez das máscaras de proteção individual, matérias-primas ou bens essenciais, a Covid-19 deixou claro que poder produzir na Europa é uma grande vantagem. E o setor das bicicletas, em Portugal, não está no nível zero, relembra o responsável: “Nós já temos o maior fabricante de rodas, o maior produtor de pedaleiras, a única fábrica do mundo de quadros de alumínio soldados por robots e agora, mais recentemente com a Carbon Team, a primeira fábrica de quadros de carbono fora da Ásia.”

O vale do ciclismo

Com pouco mais de meia centena de fabricantes, maioritariamente concentradas no norte e centro, o setor é atualmente um dos principais produtores no mercado global. A maior montadora da Europa está, por exemplo, em Vila Nova de Gaia com a RTE a produzir cerca de 1,3 milhões de unidades em exclusivo para a Decathlon. Mas Águeda é que parece ser o verdadeiro viveiro de bicicletas a juntar alguns dos complexos industriais mais importantes – razão aliás para o diário francês “Le Monde” já ter batizado o município de “florescente vale do ciclismo português”.

É neste concelho – berço da histórica motorizada Famel – que está a A.J. Maias, a produzir 400 mil bicicletas por ano, também em exclusivo para cadeia francesa de lojas de desporto. A FJ Bikes Europe, a empregar atualmente 160 operários foi inaugurada em outubro de 2017 num investimento de 8,2 milhões de euros da Fritz Jou Manufacturing (Taiwan), o maior fabricante de bicicletas asiático. A Miranda & Irmão, especialista na produção de componentes para bicicletas foi uma das primeiras a chegar ao concelho há 71 anos. Ou a InCycles, líder nas e-bikes, exporta para toda a União Europeia, mas também para o Reino Unido, Estados Unidos, Norte de África e América Latina.

A covid-19 foi um “boost”, dando um grande impulso ao setor das bicicletas, conta Gil Nadais. Mas o desafio que se coloca a seguir é aumentar a produção para responder a uma procura que se irá prolongar muito além da pandemia: “Todos os estudos apontam para um crescimento até 2030 deste segmento.” A mobilidade está a mudar as cidades de todo o mundo, defende o responsável da associação. Há agora uma maior consciência para as questões ambientais, os hábitos saudáveis tornaram-se prioritários e são cada vez mais os que procuram fugir à dependência do automóvel. “Tudo isso é um grande contributo para que o setor possa continuar a crescer”, remata.

Clássicos inesquecíveis

Três modelos portugueses numa viagem ao passado.

Yé-Yé, a pasteleira robusta

Foi fabricada pela Sangal, em ílhavo, entre as décadas de 1960 e 1980, com marca personalizada para cada cliente. Por serem pesadas, robustas e confortáveis, ficaram conhecidas como “pasteleiras”, nome atribuído a uma variedade de bicicletas antigas por andarem devagar (a pastelar). A Yé-Yé 26 para homem – utilizada no campo, por carteiros, amoladores e outras profissões – está entre as mais famosas. A Sangal, atualmente, tem como principais destinos a Europa e América Latina. Ao ter alargado recentemente a capacidade de produção para 50 mil unidades por ano, a empresa está neste momento à procura de novos mercados e parceiros.

O pedal leve da Lusitana

É, provavelmente, o modelo mais icónico da Órbita, tendo conquistado popularidade pela facilidade de entrar, sair e pedalar a bicicleta. Mas este não é o único exemplo de sucesso da marca que nasceu em Águeda. O Classic, concebido para deslocações citadinas, ou o Chopper, um topo de gama todo-o-terreno, marcaram também os anos de 1970. A Órbita chegou a produzir anualmente cerca de 15 mil bicicletas, sobretudo para Espanha e França, chegando a ganhar concursos para os sistemas partilhados de bicicletas em Paris, Viena e Lisboa. Mas a empresa faliu em 2020, na sequência da rescisão de contrato com a EMEL para o fornecimento de bicicletas de uso livre.

A Fúria das férias grandes

A fabricar bicicletas desde 1970, a Esmaltina lançou o modelo mais cobiçado pelas crianças e adolescentes – Fúria, a bicicleta com caixa central de três velocidades era o sonho de qualquer miúdo para descer ladeiras e ganhar velocidade pelos campos nas férias grandes. Outros modelos trazem também boas memórias, como a Esmaltina Cinderela, para raparigas, ou o BMX com amortecedor central para amparar saltos e quedas. A marca portuguesa está em Sangalhos, freguesia de Anadia, desde 1974, e já produziu mais de três milhões de bicicletas para Europa, África e América do Sul.

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